Por que fugimos de conversas difíceis e evitamos “assuntos desconfortáveis”

Sabe aquele ditado de que política, futebol e religião não se discute? Eu não poderia discordar mais! Essa mania (ou poderia chamar de hábito cultural?) que muita gente tem de evitar ao máximo se expor e, principalmente, se indispor com os demais, deixando de pontuar seus incômodos e percepções, pode nos afundar.

A famosa “política da boa vizinhança” — que, em certas situações, é mesmo necessária, mas em excesso se torna um desserviço —  acabou criando uma horda de pessoas que tem medo de se posicionar tanto em embates familiares quanto em âmbito público.

Isso gera efeitos colaterais como relações rompidas em definitivo quando o caldo entorna — o que poderia ser evitado caso as partes envolvidas se dispusessem a ter conversas mais francas e honestas quando algo não vai bem, em vez de continuar fingindo que está tudo ok — até a omissão diante de temas graves, colaborando direta ou indiretamente para perpetuar injustiças, desigualdades, preconceitos etc.

“Lá vem ela falar em política”

É isso mesmo, vou tentar me ater a este ponto neste texto, considerando o momento que estamos vivendo e acreditando que isso possa exemplificar bem a mensagem que quero passar aqui. Fica, vai ter bolo…

Nós, brasileiros, somos historicamente um povo despolitizado. Nossa democracia ainda é frágil e recente. Nossa educação de base, de modo geral, ineficiente — principalmente porque não oferece condições para desenvolvermos pensamento crítico, o que renderia outro texto.

A quem interessa que a gente não fale ou não se interesse verdadeiramente por política, fazendo com que este tema permaneça como um tabu em nossa sociedade? Meu palpite é de que essa espécie de aversão que alimentamos sobre o assunto seja providencial aos que desejam se perpetuar no poder, utilizando a máquina pública em benefício próprio e como bem entender — ou seja, uma parte considerável da classe política.

Mas também não acho que devamos cair no discurso fácil e raso de que todo político é corrupto e/ou “não presta”. Embora eu compreenda os motivos (que são numerosos e variados, de fato) e compartilhe desse sentimento de revolta e desânimo com os políticos de modo geral, acredito que essa é, também, uma forma de nos acomodarmos.

Se compramos essa ideia, acabamos nos convencendo (até de maneira inconsciente) de que não precisamos (ou de que “não adianta”) fazer nosso “dever de casa”: pesquisar e conhecer a fundo o histórico daqueles que concorrem a um cargo para nos representar em todas as esferas do poder público. E aí escolhemos mal, por motivos errados e/ou motivados por discursos vazios. Assim, “tiramos o corpo fora” diante do peso enorme que tem nosso voto, não exercendo esse direito (e cumprindo nosso dever) com a responsabilidade que deveríamos — já que “nenhum presta mesmo”.

Para os maus políticos, aliás, é bastante conveniente que as pessoas não entendam e não se interessem por política ou, quando muito, sejam gados adestrados que endossem sem pestanejar os discursos e ações (ou falta delas) de quem está no poder. Nos últimos tempos, vem se acirrando cada vez mais essa polarização entre esquerda x direita, PT (ou Lula) x Bolsonaro — mas não é exatamente sobre isso que me proponho a discutir por ora.

“Vai falar de quê, então, minha filha?”

Acontece que política vai muito além de disputas partidárias e de eleições. Mesmo quem prefere se isentar do debate não pode evitar que a política permeie todas as esferas não só da sua vida em sociedade, mas também da sua vida individual. Mesmo que você considere um “assunto chato” e/ou “não queira se envolver”, você já está envolvido(a), independentemente da sua vontade, desde que nasceu até quando morrer, diga-se de passagem. Afinal, viver é um ato político!

O preço da cesta básica e do combustível é política, o direito de ir e vir e de liberdade de expressão é política, a qualidade da água que você bebe é política, enfim, não tem como fugir! Sendo assim, não vejo motivo para continuarmos evitando tanto esse  e outros   assuntos considerados “espinhosos”, ou tratando como um embate eterno em que ou se está de um lado ou do outro — e agindo como se precisássemos vencer o “cabo de guerra” a todo custo.

“Escolha suas batalhas”

Da minha parte, o “problema” é um pouco diferente: preciso aprender a escolher melhor minhas batalhas. Tenho refletido muito sobre minha necessidade de estar “certa” — ou de provar o meu ponto, de me fazer entender e ter minhas ideias compreendidas, pelo menos.

Muitas vezes, nesse ímpeto de esclarecer as coisas, colocar tudo em pratos limpos, os pingos nos is e o preto no branco, acabo falando demais, me explicando demais, e deixando de perceber que o silêncio, em certos momentos e situações, pode ser a melhor resposta. Dessa forma, corro risco de justamente perder a razão que busco reivindicar ao gritar minhas verdades aos quatro ventos.

Sou verborrágica por natureza e sei também que, às vezes, é preciso mesmo falar, colocar pra fora, deixar tudo às claras, como defendo neste texto que devamos nos empenhar mais em fazer. Mas sabe aquele ditado que diz que “você é dono do que cala e escravo do que fala?”. Pois é, preciso aprender (e exercer) essa arte de perceber quando é mais oportuno respirar fundo e me calar. Mesmo que seja para falar depois, com mais calma e tendo analisado melhor os acontecimentos.

Por outro lado, deixar de falar algo quando deveríamos/gostaríamos também pode ser excruciante. Quem nunca se pegou horas, dias ou até meses, quiçá anos depois de uma discussão elaborando uma resposta perfeita?

Acho que podemos começar praticando perder o receio de recusar um pedaço de bolo educadamente, quando de fato não quisermos comer, e também de aceitar sem medo de ser feliz se estivermos a fim. Não falei que ia ter bolo? Peço perdão pelo trocadilho infame, mas acho que esse exemplo/analogia simples pode ilustrar bem o que quero dizer e fico feliz se você chegou até aqui (mas calma, ainda não acabou!).

“Não se reprima, não se reprima, não se reprima…”

Sei também que existe toda uma questão psicológica por trás disso, e que existem também inúmeras variáveis em cada situação em que escolhemos nos calar, reprimir nossos sentimentos e/ou dissimular nossas reações.

Mas o que quero propor é que a gente não se omita diante de circunstâncias importantes (pra gente e pro mundo) e passemos a cultivar a transparência em nossas relações, estando preparados não só para falar com mais clareza como para ouvir com mais abertura, abrindo mão de manter as aparências a qualquer preço, quando o que temos a ganhar em troca é mais dignidade pessoal e relações mais genuínas.

Não estou dizendo que a gente precise “falar tudo na cara o tempo todo” e de qualquer maneira. Entendo que existem formas e formas de dizer o que é preciso, e quero muito aprender mais sobre Comunicação Não-Violenta, inclusive. Mas acho que passou da hora de pararmos de nos esconder atrás de sorrisos falsos e de conversinhas amenas que não levam a nada.

Com uma dose de coragem, outra de autenticidade e mais uma pitada de bom senso (sempre bom lembrar), podemos levar nossas relações a um patamar mais profundo e verdadeiro. Quando nos protegemos demais da dor, acabamos também economizando amor, o que particularmente considero um grande desperdício.

Permita-se sentir, demonstrar, chorarDebata, discuta, defenda seus pontos de vista (de maneira embasada, de preferência), se abra mais para trocas de ideias, de carinho e até de farpas, quando necessário… Isso também faz parte. Fale o que dói, o que não gostou, o que machucouEscute, também, quando o outro quiser falar, e sem ficar na defensiva. Só não fique guardando para si e remoendo seus desconfortos, discordâncias e suas emoções, de modo geral, sejam elas positivas ou negativas (todas têm seu papel). Ou pior: passando pela vida sem sentir ou sem refletir sobre o que se vive e o que se sente.

Processando…
Sucesso! Você está na lista.

Publicado por Maíra Caixeta

Jornalista por formação e escritora por paixão. Trabalho com marketing de conteúdo, faço "bicos" como maquiadora, amo viajar e comer, então resolvi criar este espaço para compartilhar um pouquinho de tudo isso.

6 comentários em “Por que fugimos de conversas difíceis e evitamos “assuntos desconfortáveis”

  1. Gostei muito Maíra. Sinto que o amadurecimento paira no ar!!! Você tem muita paixão em tudo que faz!! Parabéns pela brilhante iniciativa! Amo você minha sobrinha e já lhe disse que o jornalismo está no seu DNA quer acredite/queira ou não!!😘

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  2. Adorei o texto e só me confirma o quanto também quero encontrar o ponto ideal da comunicação para não falar e falar somente o que/como é necessário! Como é difícil esse equilíbrio. Mas sua reflexão muito me ajuda! Obrigada por exercitar seu dom e compartilhar conosco!

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